Galácticas Futebol Clube

Fotos: Arquivo

Linha de Frente: Onde o Futebol é Refúgio e Rebeldia

Quando a bola rola, é a vida que insiste

Toda vez que uma mulher entra em campo com as Galácticas Futebol Clube, o jogo começa com a reafirmação de um território. O gramado vira trincheira. E a chuteira, extensão de uma história que já foi silenciada demais.

O futebol aqui não é performance para plateia, é pulsação coletiva. É a forma como um grupo de mulheres periféricas decidiu resistir, acolher e transformar.

Fundado em 2019 a partir de um “rachão” informal entre amigas, o time hoje acolhe mulheres de 12 a 47 anos e atua como ponto de inflexão entre o que elas eram e o que agora se permitem ser.

Nasceu da ausência: de recursos, de apoio, de visibilidade. Mas preencheu com coragem e afeto.

Com uma bola doada e o impulso de criar um espaço seguro, o projeto ganhou potência.

A Loja do Treinador, uma das primeiras a reconhecer o valor desse trabalho, se somou à luta com reconhecimento e doações, contribuindo para que o futebol dessas mulheres fosse também ferramenta de estruturação.

 

 

Chuteiras e Cicatrizes

Fundadoras do projeto e voluntárias Sueli Carlos, Cleidiane Duarte e Nicolle Oliveira.

Como o esporte virou estratégia de cura e mobilização em Betim.

“Não era só futebol. Era sobrevivência”, resume Sueli Aparecida, fundadora, jogadora e atual presidente do clube, que segue em campo aos 47 anos.

Desde os primeiros treinos no bairro Santo Afonso, ficou claro que o que se formava ali era algo raro: um lugar de escuta, corpo em movimento e reconstrução da autoestima. As atletas chegavam com traumas domésticos, crises de depressão e a sensação de invisibilidade social. No campo, essas dores ganhavam outra linguagem.

Com treinos regulares, orientação técnica e apoio psicológico, as Galácticas criaram uma cultura de pertencimento. Os maridos que antes duvidavam, hoje aplaudem.

As adolescentes que mal se olhavam no espelho, agora treinam com meta de bolsa ou convocação. O futebol virou código comum, e o projeto virou abrigo de si mesmas e umas das outras.



Betim-MG: Copa Vagalume

A primeira vitória foi ter permanecido. A segunda, ter vencido

A trajetória até o primeiro título foi mais emocional do que esportiva. Foram quatro anos até que o time sentisse que estava pronto para competir. “Era mais sobre vencer a nós mesmas do que o adversário”, conta Marciel Oliveira, treinador e um dos pilares da iniciativa. O resultado veio com a conquista da 1ª Copa Vagalume de Betim, marco simbólico da virada do projeto.

Mas a transformação não se mede só em troféus. Mais de 200 mulheres já passaram pelas Galácticas. Cada uma carrega sua própria linha do tempo marcada antes e depois do projeto. Uma das histórias mais emblemáticas é a de Raiara, que após ser dispensada de um clube da elite, reencontrou nas Galácticas o chão que faltava para seguir. Um ano depois, estava assinando com o Internacional e, mais tarde, com o Atlético Mineiro profissional.

 

Festival das Galácticas

Futebol, feira e futuro: a ocupação de Betim por um novo imaginário.

Outdoor cedido pela Prefeitura para a Liga de Desoportos de Betim, MG.

Uma vez por ano, Betim para para ver um festival que reúne mais que jogos. É o Festival das Galácticas, evento que transforma o campo em arena de sonhos e movimenta até 1.400 pessoas em dois dias. Escolinhas, times femininos, categorias de base, churrasquinhos e picolés. Todo mundo tem um lugar, seja no campo, na arquibancada ou no comércio improvisado.

O evento serve como instrumento de mobilização econômica local. É ali que vendedores informais da região conseguem renda extra. É ali que os olhos dos mais céticos veem com clareza o que é possível construir com compromisso e comunidade. Para muitas jogadoras, esse é o único momento do ano em que a família inteira está na plateia. “É quando o bairro inteiro nos reconhece como atletas”, diz uma das jogadoras.

 

 

Treinadores Anderson e Marciel.

Sem patrocínio, mas com propósito

Voluntariado e redes de apoio sustentam o projeto que virou referência.

O Galácticas não cobra mensalidade. A diretoria é 100% voluntária.

Os recursos vêm de eventos próprios, doações e parcerias que acreditam antes de pedir retorno.

A Loja do Treinador foi uma dessas. Doou materiais essenciais e possibilitou que o time aprimorasse seu trabalho tático.

“Com o quadro magnético conseguimos dar aula para mais de 40 atletas de forma mais eficiente”, agradece Marciel.

Além disso, o projeto mantém parceria com o CRAM (Centro de Referência da Mulher) e com a Delegacia da Mulher, como forma preventiva de acolhimento.

A psicóloga Jéssica Silva atua com escuta sensível e orientação, caso surjam situações de vulnerabilidade emocional ou violência.

Anderson Prado treina as goleiras para fechar a defesa.

Modelo Exportável

De Betim para o mundo: o Galácticas como semente de transformação.

Com a participação de duas atletas no programa internacional Sports Visitor Program, promovido pela embaixada dos EUA, o Galácticas mostrou que seu modelo pode e deve ser replicado.

“Não levamos só o nome do time para fora. Levamos o nome da mulher periférica que venceu. Levamos o Brasil que resiste”, afirma Sueli.

Expandir o projeto para outras cidades exige articulação, recursos e superação de barreiras culturais. Mas o caminho está aberto. “Queremos compartilhar nossa metodologia com outras comunidades. O que temos é muito mais que futebol. É uma forma de permanecer viva, inteira, possível”, completa Marciel.

 

Quando a voz vem do campo

As Galácticas não querem piedade, nem plateia. Querem respeito, condição e campo. Continuam jogando para não esquecer quem são. E continuam vencendo para lembrar que podem.

“Aqui, cada treino é um recomeço. E cada gol, um grito que atravessa a cidade.”

A história do Galácticas é mais do que uma narrativa esportiva, é um chamado à ação.

É sobre mulheres que resistem, que sonham, que jogam. E sobre como, com apoio, técnica e amor, o futebol pode mudar destinos.

A revolução é feminina. E ela já começou, em Betim.


Futebol inclusivo que rompe o silêncio e resgata a liberdade